É mais que tempo de as velhas auto-imagens da advocacia – o profissional liberal auto-suficiente – se confrontarem com a realidade da precarização e da dependência económica. E essa imagem da advocacia mais fiel à verdade das coisas terá de ter expressão na proteção social.
31 de Março, 2021 – 13:02h
A luta por uma proteção social efetiva é o rosto de uma reconfiguração do perfil da advocacia. Que mais de 70% dos seis mil advogados reunidos em Assembleia Geral tenham decidido convocar um referendo da classe para escolher o regime de previdência e de ação social de que devem beneficiar é um sinal muito significativo do sentir destes profissionais.
As expressões de precarização no exercício da advocacia têm ganho força a par da precarização geral instalada no mundo do trabalho. Por um lado, a dinâmica de concentração em grandes sociedades de advogados trouxe consigo o desempenho de funções em regime de dependência hierárquica e com vínculo salarial para milhares de advogados, acabados de entrar na profissão, e a quem é ilegalmente negado um contrato de trabalho que lhes permita defender os seus direitos essenciais. A pretexto da superior independência da profissão, nega-se a realidade: são trabalhadores/as dependentes, tão precários/as como todos/as os/as outros/as precários/as, com direitos de férias, de proteção na doença ou na parentalidade, entre muitos outros, não reconhecidos.
E depois há a precariedade dos/as advogados/as em prática individual, com carteiras de constituintes estreitas, incertas e economicamente frágeis, com uma relação profissional frequente com o sistema de apoio judiciário, cujos montantes e tempos de remuneração são atentatórios da dignidade desta profissão. Estes outros muitos milhares de advogados/as descontam obrigatoriamente para a sua Caixa de Previdência uma quantia pesada para os seus parcos rendimentos – aufiram-nos realmente ou não – sem terem como retorno apoios imprescindíveis quando a fragilidade é agravada.
A CPAS, último vestígio de sistemas previdenciais sectoriais (todos os demais foram integrados na Segurança Social), tem-se revelado inadequada à condição precária de muitos milhares de advogados/as no nosso tempo e essa inadequação tornou-a num criador de tensões para a classe e não num fator de coesão e de dignificação da profissão.
Através do referendo cuja convocação foi agora aprovada por uma maioria muito expressiva, os/as advogados/as vão ter a possibilidade de trazer o debate sobre a sua proteção social para o plano das decisões e não apenas do mais que justificado questionamento. É mais que tempo de as velhas auto-imagens da advocacia – o profissional liberal auto-suficiente – se confrontarem com a realidade da precarização e da dependência económica. E essa imagem da advocacia mais fiel à verdade das coisas terá de ter expressão na proteção social.